Por
José Eduardo Barella – Neofeed
O mercado brasileiro de biocombustíveis ganha um concorrente de peso com o biometano, alternativa sustentável ao gás natural, com potencial de atrair R$ 25 bilhões em investimentos até 2030 numa cadeia que envolve setores como petróleo, distribuição de gás, sucroalcooleiro, aterros sanitários e pecuária.
Combustível renovável derivado do biogás — produzido pela decomposição de materiais orgânicos, vegetais ou animais — o biometano, também chamado de “pré-sal caipira”, chega para substituir GLP, gás natural e diesel na descarbonização de frotas públicas e privadas.
Sua entrada no mercado decorre da regulamentação da política de biometano com a aprovação da Lei Combustível do Futuro, em 2024, que prevê programas específicos para cada tipo de biocombustível, como diesel verde (HVO), combustível sustentável de aviação (SAF) e biodiesel.
A partir de 2026, o gás renovável será obrigatório no gás fóssil comercializado no País. E importadores e produtores deverão comprovar anualmente acompra ou consumo mínimo de biometano proporcional ao volume de gás natural vendido.
A meta inicial é de 1% em 2026, podendo chegar a 10%. Como alternativa, os agentes da cadeia poderão adquirir o Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB), semelhante a um crédito de carbono. Com ele, empresas podem comprovar o uso de energia verde e financiar a produção de biometano sem consumir fisicamente o gás.
Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) ainda precisa definir o percentual após análise de impacto regulatório.
“A tendência é o CNPE definir por um cálculo retroativo, considerando a produção do biometano quando a lei foi sancionada, em outubro de 2024”, diz Isfer. “Se o percentual obrigatório contar apenas a partir de janeiro de 2026, dificilmente alcançaremos a meta de 1% no primeiro ano.”
A indefinição, adverte o presidente executiva da Abiogás, pode atrasar a regulamentação do CGOB para meados de 2026: “O certificado criado pela lei precisa ser reconhecido nacional e internacionalmente, tem de ter credibilidade e transparência, com rastreabilidade dessa produção de biometano”.
A inclusão tardia do biometano na Lei do Combustível do Futuro gerou críticas de consumidores, preocupados com o possível aumento de custos para a indústria, que terá de pagar um “prêmio verde” para adquiri-lo.
Rebecca Gompertz, especialista da Argus–plataforma de inteligência para os mercados globais de energia e commodities –, afirma que os produtores buscarão maximizar esse prêmio ambiental. “A questão se isso vai ou não aumentar o preço do gás precisar passar por estudos para se entender o possível impacto”, afirma ela.
Logística e otimismo
Parte do otimismo vem do potencial de transformar o Brasil no maior produtor mundial de biometano.
Diferentemente do gás natural, que é fóssil, o biometano vem de fontes renováveis e pode ser produzido continuamente.
Com composição química semelhante à do gás natural, pode ser usado nas mesmas aplicações — aquecimento, transporte, indústria — sem grandes adaptações, podendo ser injetado diretamente na rede existente.
A logística é um desafio: a rede de gasodutos se concentra na costa, enquanto as usinas estão no interior, exigindo transporte por caminhão, o que eleva custos e emissões de carbono.
Segundo a Abiogás, o Brasil tem 14 plantas em operação, com capacidade de 900 mil metros cúbicos (m³) por dia. Outras 35 aguardam autorização da ANP. No longo prazo, o país pode produzir até 120 milhões de m³ por dia, suficiente para substituir cerca de 70% do consumo atual de diesel.
Corredor sustentável
A Necta – braço da Commit, do Grupo Cosan – também tem planos ambiciosos para o biometano. Responsável pela distribuição de gás canalizado no Noroeste de São Paulo, atende 43 municípios com 1.500 km de rede e mais de 50 mil clientes.
A área de concessão está em região estratégica, com 135 usinas de cana-de-açúcar com potencial para produzir mais de 6 milhões de m³ por dia.
“Planejamos desenvolver uma rede para chegar aos principais clusters de usinas de biometano para capturar ou desbloquear pelo menos metade desse potencial, que é de quase 3 milhões de m³ por dia”, afirma o CEO, José Eduardo Moreira.
Segundo ele, as usinas ou aterros decidem investir — custo entre R$ 200 milhões e R$ 300 milhões por usina — e a Necta constrói a rede para transportar o gás.
“A área de concessão da Necta também é atravessada por rodovias importantes, com fluxo diário de 600 mil caminhões, abastecendo 3 mil
postos”, diz o CEO da Necta. “O plano é substituir o diesel por biometano no transporte pesado, já que 10 milhões de litros de diesel são consumidos diariamente na região.”
A distribuidora já definiu 20 postos de combustível até o fim do ano, com 10 em operação. Há alinhamento com Comgas e Naturgy para mapear postos até o Porto de Santos, dando visibilidade da rede aos transportadores.
A estratégia vai além de São Paulo, com mapeamento de postos no Mato Grosso, Paraná (até o porto de Paranaguá) e sul de Minas, onde já há rede instalada para construir um corredor sustentável. Mato Grosso e Triângulo Mineiro têm potencial para virar hubs de biometano da pecuária.
Moreira destaca que a região sob concessão inclui Presidente Prudente, primeira cidade do Brasil 100% abastecida com biometano, via Usina Cocal, em Narandiba. Até dezembro, a Necta vai ligar cerca de 5 mil clientes dos setores residencial, comercial, industrial e postos.
Ribeirão Preto será a segunda cidade 100% a biometano do estado, com ligação da Usina São Martinho. “Isso com menos de um ano de atuação, Edge, da Cosan, já fatura mais de R$ 2 bilhões e fecha seu maior contrato significa que toda a rede municipal, incluindo residências, comércios, indústrias e postos de GNV, vai consumir exclusivamente biometano”, diz Moreira.
Prefeituras e governos estaduais também oferecem incentivos. São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro liberaram IPVA e reduziram ICMS de caminhões movidos a biometano.
Para Pilão, da Orizon, a regulamentação federal já impulsiona a demanda, mas os incentivos estaduais são essenciais, pois cada estado tem metas próprias de descarbonização: “A Orizon, assim como outras empresas do setor, prioriza estados que oferecem incentivos fiscais estaduais para a construção de suas plantas.”